ECA: uma lei e três revoluções
Com
as modificações instituídas na Constituição de 1988 em relação aos
direitos de crianças e adolescentes, integrantes de várias áreas da
sociedade civil, do Ministério Público, do Judiciário e de órgãos
governamentais – de todo o País – deram início a um movimento pela
criação de uma nova legislação. O Código de Menores, lei em vigor à
época, representava uma visão ultrapassada e não era condizente com os
princípios da Doutrina da Proteção Integral que passaram a ser
preconizados na Carta Magna brasileira. Assim, após uma intensa
mobilização nacional, foi promulgado, em 13 de julho de 1990, o Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA). A partir dessa nova legislação,
regulamentou-se no Brasil a concepção jurídica de proteção à infância e à
adolescência estabelecida pela ONU. A criação do ECA assegurou um novo
tratamento à população infanto-juvenil do País – eles deixaram de ser
vistos como “menores” e passaram a ser tratados como sujeitos de
direitos, exigindo, em função de sua condição peculiar de
desenvolvimento, atenção especial do Estado, da família e da sociedade. O
Estatuto garante a todas as crianças e adolescentes os direitos
fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da sua proteção
integral. Com isso, passa a ser prioritário oferecer a esse segmento da
população, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e
facilidades necessárias para proporcionarlhes “o desenvolvimento físico,
mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de
dignidade” (ECA: artigo 3º). Conforme já estabelecido pelo artigo 227 da
Constituição, o Estatuto introduz no universo das políticas públicas
brasileiras os parâmetros da prioridade absoluta. O ECA menciona também
direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
esporte, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária. O novo marco legal da infância cria e
regulamenta ainda os mecanismos políticos, jurídicos e sociais para que
tais direitos sejam cumpridos. O sistema de garantias estabelecido
pelo ECA compreende, entre outros pontos: as diretrizes para elaboração
da política de atendimento, a definição das medidas de proteção e ações
sócioeducativas, a delimitação dos papéis do Poder Judiciário,
Ministério Público e advogados, além da tipificação de ilícitos penais e
administrativos e a regulamentação de procedimentos relacionados à
Justiça da Infância e da Juventude. O Estatuto também promove um
conjunto de revoluções que extrapola o campo jurídico e desdobra-se em
outras áreas da realidade política e social no Brasil. Nesse sentido, é
possível apontar três grandes grupos de mudanças pautadas pelo ECA:
Mudanças de conteúdo O Estatuto concebe a criança e o adolescente como sujeitos de direitos, isto
é, considera-os como criança cidadã e adolescente cidadão, com direitos
legalmente exigíveis em determinadas circunstâncias. A criança e o adolescente deixam de ser vistos como meros objetos de
intervenção social e jurídica por parte da família, da sociedade e do
Estado. Dessa forma, evita-se que fiquem vulneráveis a um poder arbitrário, garantindo-lhes participação pró-ativa na vida social. Considera, também, meninos e meninas como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento –
indivíduos que estão em um período de mudança, de alterações
bio-psico-sociais e detentores de todos os direitos que têm os adultos e
mais aqueles especiais ao seu ciclo de vida, à sua idade, ao seu
processo de desenvolvimento. Isso porque não estão em condições de
exigi-los do mundo adulto e não são capazes, ainda, de prover suas
necessidades básicas sem prejuízo ao seu desenvolvimento pessoal e
social. O ECA reconhece, ainda, a criança e o adolescente como absoluta prioridade,
ou seja, compreende o valor intrínseco e o valor projetivo das novas
gerações. O valor intrínseco reside no reconhecimento de que, em
qualquer etapa do seu desenvolvimento, a criança e o adolescente
são seres humanos na mais plena acepção do termo. O valor projetivo
evoca o fato de que cada criança e cada adolescente é um portador do
futuro de sua família, de seu povo e da humanidade. Mudanças de método O
Estatuto introduz as garantias processuais no relacionamento do
adolescente com o sistema de administração da justiça juvenil. Além
disso, supera a visão assistencialista e paternalista: crianças e
adolescentes não estão mais à mercê da boa vontade da família, da
sociedade e do Estado. Seus direitos passam a ser exigíveis com base na
lei e quem descumpri-los poderá ser levado a responder judicialmente por
isso. O ECA também inaugura uma nova forma de atendimento por meio da
articulação de um Sistema de Garantia de Direitos, compreendendo as
instâncias legais de exigibilidade de direitos para enfrentar as
situações de violações dos direitos humanos de crianças e de
adolescentes. Mudanças de gestão O texto do Estatuto compreende um novo
ordenamento institucional e introduz uma nova divisão do trabalho
social, tanto entre as três esferas de governo – União, Estado e
Município –, como entre estes e a sociedade civil organizada; Ele
dispõe, ainda, que os Conselhos dos Direitos, em todas as esferas, e os
Conselhos Tutelares, em nível municipal, são parte fundamental do
esforço de tornar efetiva a democracia brasileira. O ECA visa a uma
democracia cada vez mais beneficiada pela participação da cidadania
organizada na formulação das políticas públicas, na agilização do
atendimento às crianças e aos adolescentes e no controle das ações em
todos os âmbitos. É aqui que se situa a importância do esforço de
criação e consolidação dos CMDCAs e dos Fundos dos Direitos da Criança e
do Adolescente nos diversos municípios brasileiros.